O Casal da Várzea era constituído pelas casas, palheiros, estábulos, etc..de 4 famílias, todas elas unidas entre si por laços familiares.
A família a quem os meus pais alugavam a parte de casa era, inicialmente, porquanto os seus membros mais idosos foram entretanto falecendo, constituída pela Sra. Bernardina, mulher cheia de força que chefiava uma família constituída pelo marido, Sr. Luís, bastante mais velho que ela e com problemas de saúde, por ter sido gazeado na guerra de 1914-1918, a filha Mª Helena (minha companheira de brincadeiras e com quem eu colaborava em pequenas tarefas, como apanhar erva para os coelhos), o filho Leonel, com um elevadíssimo grau de paralisia cerebral (a mãe que, confrontada, aquando do seu nascimento com a questão da sua sobrevivência, tinha optado, sem dúvidas, por que ele vivesse, cuidava-o extremosamente e com os cuidados possíveis no contexto da época), e ainda dois cunhados, um dos quais deficiente mental profundo, o ti Manel, que adorava a minha mãe, “ a ti Atum”, e temia a minha irmã, que lhe fazia muitas partidas, designadamente com o fogo, que o horrorizava (“ ó ti Atum, ó ti Atum, olha a meni que qué fazê mal ao Mané”, queixava-se ele à nossa mãe quando se assustava).
Foto da mª Helena e do Leonel
A casa era grande, de dois pisos. Em baixo era a cozinha, térrea, onde se desenvolvia toda a vida diária dos donos da casa: preparar as refeições, comer, fazer o pão, preparar as comidas para os animais, conversar, enfim, estar.
Desta cozinha subia uma escada para o 1º andar, o qual era constituído por várias divisões de um lado e de outro de um corredor que se estendia ao longo de toda a casa. Esse corredor estava dividido por uma porta, e era depois dessa porta que se encontrava a parte da casa alugada pelo meu pai. Uma das divisões dessa parte da casa tinha porta para um terreno que se estendia ao longo da casa, ao fundo qual era o caminho pelo qual se acedia a todas as casas do Lugar e ao caminho para a Sapataria.
Foto da família toda e minha com os cãezinhos
Da “cozinha da Sra. Bernardina” passava-se, pelo interior, quer para a casa dos animais, galinha,, perus, etc e julgo que também ovelhas quer para o palheiro, que tinha uma porta para um grande “pátio”, para onde também se acedia por uma porta da cozinha, que era aliás aquela que nós todos, incluindo os inquilinos, utilizávamos com maior frequência para entrar e sair de casa.
No pátio, e em frente à porta da cozinha, situava-se ainda a pocilga com o porco e também uma outra construção que me recordo ser também o abrigo da cadela.
Esse pátio era fechado e tinha dois portões, um dava para o terminus do caminho da Várzea.eo outro para o “eucaliptal da sra. Bernardina” e para as terras, sua propriedade, que, após um certo declive ( ao fundo do qual se encontrava, a cerca de 50 metros o poço e o tanque), se estendiam pelo monte acima.
Foto com o Fernando
O Sr. Luís era irmão do Sr. André, que morava num conjunto habitacional contíguo. Casado com a Sra. Maria, com eles viviam a sua filha, a Menina Hortense (de quem recordo a doçura e o sorriso tímido que sempre lhe conheci), o marido, o Sr. João, casal que entretanto veio a ser pais de uma menina linda, a Leonilde, cerca de 5 anos mais nova que eu.
Desta família emanava uma harmonia e uma afectuosidade entre todos os seus membros, e mais especificamente entre mãe e filha e entre esta e o seu marido “o meu senhor”, como ela dizia, que são das impressões mais marcantes que eu tenho dessa época.
Era aliás, naquela casa que eu passava a maior parte do tempo, ocupada a ver as tarefas caseiras e até a colaborar nas mesmas, quando tal me era permitido por aquelas queridas mulheres .
No Casal da Várzea vivia também um outro filho do Sr. André e da Sra. Maria, com a sua família, e ainda outro casal com o seu filho, cuja mulher, a Menina Maria prima das outras famílias, era uma personagem fantástica pela sua vivacidade, maravilhosos olhos verdes e sorriso (e riso) constante, num rosto bem talhado, com o cabelo muito escuro penteado com carrapito, como todas as mulheres dali naquela época.
Esta menina Maria, que trabalhava na casa da família rica da terra, andava sempre impecavelmente arranjada, com uns aventais branquíssimos, cujas passagens (cozer da roupa entrançado, não sei como explicar hoje, quando já nem são fabricadas linhas para este efeito), nem se notavam tal era a perfeição da sua costura. Foi esta senhora que ensinou a minha irmã Linda a passajar, que aprendeu a fazê-lo, não com a mesma perfeição (era impossível), mas muito bem.
Foto com a menina Maria cortada e com o avental branco