domingo, 28 de fevereiro de 2010

Memórias 12

Pois, o Sr. Joaquim era o homem do talho. Não morava exactamente onde a Cristina referiu (aí morava o seu pai, o Sr. Domingos), mas sim numa quinta do outro lado da linha do comboio. Mas isso é irrelevante.

O talho ficava na estrada que vai da estrada da Sapataria para a estação dos caminhos de ferro passando pelo “Largo da Sapataria”.
À entrada descíamos dois ou três degraus. Em frente ficava o balcão, de madeira, com uma balança de pratos, parece-me, e atrás do qual estavam penduradas as peças de carne. Ao longo das paredes laterais estavam dois bancos corridos, onde se esperava intermináveis horas!

Este estabelecimento abria apenas ao sábado pelo que, à lentidão do Sr. Joaquim, juntava-se o grande número de clientes (todas mulheres) a”aviar”.

Quando os meus pais alugaram a casa dos Galegos a ida ao talho passou a ser tarefa da minha responsabilidade. O Sr. Joaquim já sabia qual era a encomenda, que eu depois transportava, nuns sacos de pano. (Nessa altura, felizmente, não havia sacos de plástico).

E se essa ida ao talho constituía um grande sacrifício para mim (para as mulheres da aldeia era um local de convívio e uma pausa nas suas lides em casa e no campo), pelo exagerado tempo que ali tinha que esperar pela minha vez (nunca menos de 2 horas), os deliciosos bifes do acém redondo que depois a minha mãe cozinhava para o almoço daquele dia, com umas óptimas batatas cozidas, era o manjar delicioso que me vinha compensar. Nunca, mas nunca, comi carne melhor que aquela (só havia carne de vaca, porque porco tinham todas as pessoas da terra).

Recordo ainda, a propósito, um “grande problema” que tive em consequência de uma dessas idas ao talho. A Maria Otília, filha da Menina Maria, mais velha que eu uns 5 anos, emprestou-me um livrinho (seria mais uma brochurazinha) que eu levei para o talho para ler nesse período de espera. Qual não foi a minha aflição quando, no regresso a casa, verifiquei que, ao pô-lo no saco em que transportava o saco da carne, o sangue desta sujara o livro! Não sei quanto tempo andei a ganhar coragem para o restituir mas sei que foi muito, e enquanto o não o fiz, sei que foi um problema que me angustiava a todo o momento!

A carne, para além de ser óptima era mais barata que em Lisboa, pelo que durante muitos anos, o Sr. Joaquim, quando não estávamos de férias na Sapataria, enviava para Lisboa (pela camioneta), a encomenda do costume (bifes do acém e um pedaço de acém comprido, que a minha mãe utilizava para guisar e para o delicioso cozido que ela fazia aos domingos, normalmente de 15 em 15 dias, entremeado com o bacalhau cozido).